segunda-feira, 11 de maio de 2009

Crítica chapetuba na Revista Bacante

Nossos Mortos: a re-montagem de Chapetuba F.C. na re-inauguração do Arena
Por Paulo Bio Toledo


Foto da montagem original dirigida por Augusto Boal em 1959

O Teatro de Arena, fundado em 1953, viria a ser um dos símbolos da resistência teatral contra o totalitarismo repressivo da ditadura militar brasileira. Mesmo antes do Golpe de 1964, o Arena já se caracterizava como pólo de discussão política e contraponto ao tradicionalismo de elite no teatro.
Os Seminários de Dramaturgia de 1958 foram o marco de uma discussão estética que começa a perceber a interligação de forma e conteúdo, no que concerne ao discurso, como fundamento da produção dramatúrgica. Ou seja, assume as impossibilidades da forma dramática, construída sob a égide do indivíduo “livre” burguês, para abarcar o conteúdo de interesse, como as greves, a opressão, o coletivo etc. - daqui surgem os primeiros estudos estruturais brasileiros do teatro épico dialético de Bertolt Brecht (a despeito de suas obras já serem conhecidas e montadas aqui).
Inicialmente, no esteio de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, peças como Chapetuba F.C., de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, são produzidas no seminário; em seguida, passam a ser criticadas, no mesmo espaço, justamente por sua estrutura dramática. Não por acaso, a próxima safra de produção dramatúrgica marca-se pelas peças A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, de Vianinha, e Revolução na América do Sul, de Augusto Boal; produções que apresentam uma ruptura radical com o tratamento dramático utilizado até então, sob influência das playwriting norte-americanas. O mesmo Vianinha de Chapetuba F.C. afirma no programa original de A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar: “O teatro realista formula e consagra o condicionamento como natural e imutável; abandona a história …”
(No início dos anos 1960, as discussões calorosas entre seus participantes geram uma fissura. De um lado, Vianinha rompe com o grupo argumentando que o teatro deve deslocar-se à periferia, sair do antro “pequeno-burguês” da intelectualidade esclarecida, atuar como arma in loco da resistência contra a opressão econômica - ingressa, todavia, no CPC da UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes); do outro lado, Augusto Boal e a manutenção do espaço, como arma de discussão e aprofundamento, até ter suas portas fechadas, em 1972, pela ditadura).
A partir daí, assistimos, ano a ano, a degradação desse espaço transbordante de história. O Teatro de Arena, a despeito dos louváveis movimentos em seu favor, como o Arena Conta Arena – 50 anos, exposições comemorativas, projetos de ocupação pelas Cias. etc.; vinha sendo corroído e se adequando a paisagem do centro não-recuperado de São Paulo. Por esse viés, há de se comemorar o trabalho da Funarte na recuperação do espaço. E, enfim, não é possível adentrar-se criticamente no espetáculo Chapetuba F.C. sem todo esse espectro de história, sob a qual se equilibra.
[Vale fazer uma pausa aqui, por a crítica se dividir em dois, como bem notado pela editoria da bacante no seguinte fragmento:
"Aqui, acho que poderia ter uma quebra mais interessante pro hoje. Sim, vc contextualizou, mas acho que se vc não zuar inclusive essa intenção de colocar no contexto, o texto pode ficar ingênuo. O que quero dizer é que seu texto historiciza o evento da reinauguração do teatro em certa medida, mas não abarca toda a complexidade - nem poderia, nem deveria - dessa história toda. E exige do leitor um monte de referências que ele talvez não tenha. Então pensei que talvez você pudesse dizer algo como: "Olha, agora você tem duas opções: ou você se contenta com essa contextualização resumida que eu te dei e continua lendo o texto ou, para "adentrar criticamente no espetáculo", você desliga o computador, lê todos os livros do Élio Gaspari, [...], tudo o que escreveu o Augusto Boal, depois liga o computador de novo, acessa o youtube e vê todos os vídeos do Arena para, enfim, “com um espectro de história ainda maior”, terminar sua agradável leitura sobre a remontagem de Chapetuba F.C.” (Cf. Correspondência web-crítica no séc XXI – prenúncios da crítica ativa. Editora Bacante: São Paulo, 2025)]
Seguimos…
Primeiramente, tem-se o dado de que a montagem é uma encomenda comemorativa (da recuperação do teatro): um diretor, Zé Renato, que é o próprio fundador do Arena e um texto de um dos mais eméritos participantes do grupo, Oduvaldo Vianna Filho. Tal fato poderia ser objeto de ferrenhas críticas, entretanto, haja vista o contexto, trata-se de uma exaltação de memória de um dos mais significativos momentos teatrais de São Paulo, quiçá do Brasil. O Texto escolhido, como já dito, faz parte de determinada produção no Arena que foi objeto de crítica e superação de seus próprios participantes; salvaguardada tal ressalva, a peça mostra-se como produção histórica de tremendo esforço em evidenciar contradições sociais latentes no Brasil; como diz Augusto Boal, no programa de estréia da peça: “o dilema do homem de teatro no Brasil é simples e definido, ser autêntico ou terminar” (Teatro de Oduvaldo Vianna Filho v.1. Org. Yan Michalski. Rio de Janeiro. Ilha. 1981. Págs 83-84). Ou seja, uma dramaturgia que centra todos os seus esforços em entender as complexidades das estruturas sociais brasileiras num momento de certo otimismo político e afirmação nacional popular – sendo o futebol uma bela metáfora desse momento.
Entretanto, os problemas do texto remetem à famigerada ‘crise do drama’, sua construção individualizada faz emergir enormes paradoxos que não cabem ser aqui discutidos. A montagem de 2008/09 só faz “presentificar”, sem crítica, e, portanto, vítima das mesmas contradições, o texto de Vianinha.
Mas, acredito, é preciso enxergar a montagem dentro do contexto: um evento comemorativo de uma memória extremamente importante à história do teatro – ademais, uma montagem que não peca em nenhum aspecto (tendo em vista o que ela representa e/ou busca representar): bons atores, direção clara e limpa, simplicidade e o texto de Vianinha, um dos objetos de ênfase no trabalho comemorativo, em evidência.
Vemos em cena a rememoração de uma inquietação dramatúrgica que foi, 50 anos atrás, uma tentativa enérgica de discutir as complexidades sistêmicas do capitalismo, no que dizem respeito ao Brasil e a suas particularidades, e que, não por acaso, estão em evidência até hoje, senão mais ainda hoje.
Não se trata, obviamente, de um marco teatral, ou obra de experimentação política etc., pelo contrário, carrega em si alto grau de anacronismo formal. Entretanto, traz à tona um passado essencial que, por sua vez, marca um contraponto positivo ao formalismo apolítico e sem direção de grande parte da produção contemporânea, por nos lembrar que a chamada “desconstrução” fragmentada é oriunda de um processo histórico essencialmente político e material.
55 anos de história por R$780.000 em reformas (um pouquinho menos que as captações da Lei Rouanet proporcionam, diariamente, à cultura nacional)
Publicado em 19 de Janeiro de 2009 em:
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